Lindo Sonho Delirante

O projeto desenvolvido pela fotógrafa Dani Tranchesi e pelo escritor e curador Diógenes Moura, resultou na exposição Lindo Sonho Delirante e no livro homônimo (Editora Martins Fontes). O escritor, que também assina a curadoria da mostra bem como o texto e a seleção de imagens da publicação, encontrou-se semanalmente com a artista ao longo de um ano.

 

Se para a sua primeira individual, realizada em 2018 na Galeria Estação, Tranchesi percorreu vários países, agora a sua lente concentra-se no Brasil, nas cidades de São Paulo, Belém e na Ilha do Marajó, em Salvaterra, Joanes, Soure e Cachoeira do Arari.

 

Segundo o curador, a mostra com cerca de 60 fotografias realizadas em 2018 e 2019 é formada em sua grande maioria por dípticos ou trípticos. “Busquei criar um roteiro em que as possibilidades narrativas entre as imagens ou de cada uma ficam por conta do olhar do espectador”, diz Moura. São fotos que ora miram a crueza de vidas e espaços de cidades metropolitanas, ora o onírico que guarda a Ilha de Marajó, onde ainda contemplar estrelas é um ato cotidiano.

 

“O semblante de uma cidade (São Paulo) é como um livro aberto, tão fatal como uma onda do mar, tão profundo com a angústia em um dia de domingo. Do lado de lá (Ilha do Marajó) os de dentro colocam o sofá nas portas das ruas para falar com os cometas, ter a certeza de que objetos voadores não identificados não dominarão os búfalos”, escreve Moura.

 

A fotógrafa paulistana, a partir de 2018, viajou várias vezes para a Ilha do Marajó. Em São Paulo seu núcleo de pesquisa se estabeleceu na região central da cidade. O interesse pelos outros e pelas diversas formas de viver, recorrente em sua produção, permanece expresso nas séries realizadas em Marajó e nas duas capitais. Fotografias de ambientes domésticos, detalhes de objetos, atmosferas de beleza e acolhimento contidas na resistência da simplicidade se contrapõem a destinos de homens e espaços urbanos abandonados na esteira do progresso.

 

 

 

Tour virtual da Exposição ocorrida na Galeria Estação em fevereiro de 2020. Clique aqui

 

Tampa de bueiro
Tampa de bueiro
A lixeira cheia
A lixeira cheia
Bitucas
Bitucas
Poste amassado
Poste amassado
Exaustores
Exaustores
A vassoura
A vassoura
Corrente de bicicleta
Corrente de bicicleta
Caixotes
Caixotes
Sapato
Sapato

Quem de nós recolherá os resquícios da cidade que grita e transborda? A fotografia já não basta. A imagem, sim. A imagem é como um espelho partido: sangra e alivia ao mesmo tempo. Depende quem está diante dele, do espelho onde a imagem não mente. O semblante de uma cidade (São Paulo) é como um livro aberto, tão fatal como uma onda no mar, tão profundo como a saudade em um dia de domingo. Do lado de lá (Ilha Do Marajó) os de dentro colocam o sofá nas portas das ruas para falar com os cometas, ter certeza de que os objetos voadores não identificados não dominarão os búfalos. Ainda por dentro da metrópole, o consumo se confunde com fortuna e abandono. Custe o que custar. Um livro aberto poderá mudar a cada instante. Lindo Sonho Delirante não é pronúncia. É existência. Ultrapassa o limite entre fuligem e oceano. É como um retrato. Um veredicto com olhar impermeável. (DM)

Os cachorros
Os cachorros
Toldo laranja
Toldo laranja
Saco vermelho
Saco vermelho
Meia vermelha
Meia vermelha
Homem no poste
Homem no poste
Peruca
Peruca

Onde estão os outros? Com quantos passos adiante o próximo eu cairá? Diante da vitrine o reflexo se esvai. Entre violência e paixão a cidade gosma. A fotografia já não basta. A imagem, sim. Coito fino, transparência. O corpo caído tem nome e sobrenome. Quando a cor explode dentro da casa dos outros há um sopro, um porque ecoando no osso da floresta que arde. Do lado de cá o concreto esquenta sua memória embutida nas paredes, nas bordas dos viadutos onde cada certidão de nascimento será sempre uma sentença para a noite seguinte. Nas telas das TVs os demônios clamam por tragédias. Nos rastros das nuvens a tempestade se aproxima: as horas na terra não pertencem aos outros. O homem não é uma mercadoria, um pacote existência. O homem sobre a terra é fera com olhos, desejo e fome. (DM)

Altar
Altar
Quarto azul
Quarto azul
Tudo vermelho
Tudo vermelho
Quarto vermelho
Quarto vermelho
Retrato de família
Retrato de família
Parabólica
Parabólica
Panela na parede
Panela na parede

Vem Deus”, dizem os outros. No reboco das paredes as letras da cidade precisam explodir, respingar. Os que escrevem poderão despencar do vigésimo terceiro andar.  As saídas estão bloqueadas. Nas paredes do lado de lá tudo que é vermelho explode em azul de noturno mar: panos, tempos, leitos, mitos. Tudo milimetricamente instalado: a onça, a vulva, o pranto, o risco, o nada. No homem que enxerga a verdade escapole. A fotografia já não basta. A imagem, sim. Na página virada o cão late porque seu dono bateu a porta. É sempre assim. Uns sempre abandonam os outros. Sobre o roxo da parede o pai, a mãe, os filhos impressos no papel amarelado. Tudo a mesma coisa, todo dia, diante do vento morno do ventilador cor de rosa. No tempo desconectado a única saída será ouvir. Veja, o meu pulso ainda possui batimentos cardíacos. O silêncio de Deus é angustiante, dói. (DM)

Os seios
Os seios
Meio fio
Meio fio
Seu Joel
Seu Joel

O homem que caiu recupera os sentidos. O bronze no rosto da esfinge tem pele de fuligem. Os dois pés no chão não contaminam as bitucas dos cigarros. A cidade gosma. Do lado de lá, na outra ponta da baía de água doce todos os santos adormecem nas redes enquanto seus filhos espiam as estrelas, uma a uma, contam nos dedos, nas folhas secas, nos cantos limpos, nos carnavais. Do lado de cá, na cidade onde o tempo não rosna, o homem que vive despencando nas entranhas do viaduto cospe palavras aos nacos, aos maços, entre os dentes. Sua casa é uma fronteira entre cinza e cinza. Sua carne treme quando cada automóvel avança na pista acima. Há quem fale em direitos humanos. Nenhuma mercadoria. O homem sobre a terra é fera com olhos, paz intranqüila, cobiça. Quando o livro for aberto tudo estará em trânsito. (DM)

São Jorge
São Jorge

Todas as imagens de Lindo Sonho Delirante foram captadas em São Paulo, Belém e Ilha do Marajó:  Salvaterra, Joanes,  Soure e Cachoeira do Arari, entre 2018 e 2019

 

Abacaxi I
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Abacaxi II
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